quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Juntos formando o misturado


É inerente ao processo de formação da nação brasileira a condição de mistura e fusões. Da intensa miscigenação inter-racial dos índios, negros e europeus do período colonial à atual acepção de música brasileira como um exercício edificador da pluralidade singular do Brasil, fez-se presente a bricolagem e hibridação de hábitos, valores, culturas de vários povos.
Pensar num Brasil de manifestações culturais e artísticas originalmente puras é negar o processo histórico de construção de uma identidade tipicamente brasileira. É nesse contexto que cai por terra a caracterização da brasilidade com uma auto-imagem, genuinamente, fincada somente na raiz, na origem e na tradição.
No âmbito da representação nacional, a música é um elemento ímpar de caracterização do Brasil no exterior. De fato, como resultado de processos históricos, expressões dos anseios de uma época, introspecções frente à modernidade e escolhas estilísticas, por que não utilizá-la para a construção da identidade cultural brasileira? Essa inquietude foi o marco de surgimento do movimento tropicalista no final da década de 1960.
Em um contexto bastante parecido com as aspirações dos modernistas na Semana de Arte Moderna de 1922, a Tropicália deflagrou uma nova maneira de se pensar Brasil. Do movimento antropofágico de 1922, a deglutição de manifestações culturais de vanguarda europeia, primando pelo não academicismo da arte, incorporou nos modernistas uma produção nacional, que não necessariamente desapropriasse as tendências da Europa. No movimento tropicalista, também houve a preocupação com a auto-imagem que denotava à busca de uma identidade representativa do Brasil. Em meio à turbulência da ditadura militar, o cenário musical brasileiro estava representado por três distintos grupos. A música de protesto tornava-se hino esquerdista contra a ditadura, não admitindo influências da música estrangeira. A bossa-nova, no auge dos anos 1960, mesclava jazz americano e o samba brasileiro numa mistura muito rica harmônica e melodicamente, porém descomprometida socialmente. E, por último, tínhamos a Jovem Guarda com uma versão nacional do rock da Inglaterra e dos Estados Unidos, de olho no público jovem.
Eis que surge a Tropicália com o intuito de adentrar na modernização e reformar o conceito nacional da brasilidade. Divididos entre aplausos e vaias do público, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Rita Lee, Arnaldo Baptista, Tom Zé, Nara Leão, Gal Costa, dentre outros artistas, fizeram do tropicalismo um movimento da contracultura brasileira.
A construção simbólica de um Brasil misto, vivo, aglutinador e efervescente levou os tropicalistas a incendiar o cenário musical do país na época. O intuito era apropriar do berimbau à guitarra elétrica, do psicodélico ao erudito, do folclórico ao pop, do rústico ao moderno, do caipira ao urbano. E tudo isso, regado a críticas sociais, a intertextualidades e metáforas dos letristas.  O resgate de uma identidade nacional pautou-se sob o parâmetro de exposição dos antagonismos e pluralidades existentes em todas as manifestações culturais do país. 
Miscigenação da nossa origem étnica, fusões que transformam e são a nossa cultura. E assim seguimos feitos de mistura: juntos formando o nosso misturado.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Sem pró-liticagem




     De tanta leitura de impressões e análises subjetivas do dia-a-dia, eis que chega a minha hora. Para relatos peculiares, nada mais digno do que a minha, a sua, a nossa pouca requisitada idiossincrasia. E é sobre ela mesmo que vim falar, numa mescla de falar em si para falar de Si.
      Refiro-me a Simeyzon, prefeitável de Goiânia nas eleições 2012. Nada pessoal, só a título aleatório de riso ilibado e de praticar a não pró-liticagem. A ocasião a que me refiro foi o debate com os candidatos à prefeitura na Casa da Juventude (Caju), ali no setor Universitário no dia 31 de agosto. Meu primeiro contato, confesso, com dois dos prefeitáveis ali presentes. Um deles era este mesmo vereador Simeyzon, do Partido Social Cristão (PSC), a quem dedico a minha rara primeira pessoa literal à sua literal primeira pessoa. O outro era José Netho, do Partido Pátria Livre (PPL). Ambos com o discurso de inovação.
     Nada mais democrático do que a liberdade de escolha. Mais democrático ainda é a escolha de não participar de um debate democrático. Na Caju, estiveram presentes o lindo marxismo do Professor Pantaleão, os direitos da mulher de Isaura Lemos, o radialismo de Elias Júnior, além do novo José Netho e do pastor Simeyzon. Não deram as caras Rubens Donizetti, Jovair Arantes e o atual prefeito Paulo Garcia, tampouco as bocas. Mas quanto capricho, ora pois, afinal eles participaram, assiduamente, da conversa global na 2ª Edição do Jornal Anhanguera. Simpatia e sorriso bonito no horário nobre de Goiás. Não precisava de nada mais, não?!
     Sim! Simeyzon. Voltemos a ele. Na democracia do debate, estava lá ele, robusto e bonitão, barba bem feita transpirando eloquência. Ex-aluno de Pantaleão, moço de bons costumes, de boa família, de exímia religião. O genro prefeito – digo... perfeito - para qualquer mãe caso ele não fosse casado. Com toda essa compostura, meu interno riso ilibado surgiu com a amplificação do microfone em suas mãos. Diga-se de passagem, tudo que vem do audível, música, sons, fonemas, ecos, ruídos e silêncios me alucinam.
    Com a palavra estava ele, no seu momento Simeyzon. Chamava a atenção pelo charme e pela auto-confiança. Confiança demais que até massageia o próprio ego. Mas não adianta fugir, nem mentir pra Simeyzon agora. Há tanta vida lá fora. E é dessas vidas que ele fala quando explicita uma de suas principais propostas: a criação de 30 novos Centros Municipais de Educação Infantil, os Cmeis.

Da esquerda para a direita: José Netho, Isaura Lemos,
Professor Pantaleão, Elias Júnior e Simeyzon

     E quanto mais a temática da educação ressoava pelas vozes dos mediadores do debate, lá no fundo do ele calado, batia no peito para proclamar a sua primeira pessoa. Cmeis, Cmeis, Cmeis. Credo! Haja tanto Simeyzon para um ego só.
     A mais fidedigna atitude de sua personalidade foi ele participar do debate somente quando estava com o microfone em mãos. No resto do tempo sem fala, ele, intimamente, fechava-se no seu caro mundo digital interagindo com seu tablet, ou sabe-se lá o que era aquilo. Inebriada por tamanho eco do ego, o centrismo de si mesmo – leia-se, mais uma vez, Simeyzon – e os fonemas que formam o seu nome me encorajaram a essa voz em primeira pessoa.  
    Se na pastoril condição de prefeitável ele já se esbalda do egocentrismo do cmeismo, imagine só se o brado retumbante dos eleitores proferir “Sim!!! Sim mesmo!”. 

sábado, 12 de novembro de 2011

Cassetête-à-tête



Fácil, fácil é estabelecer o tête-à-tête. Um burro fala, o outro abaixa a orelha. Um ditado muito conhecido pelo Brasil e duramente ditado também por ele, desde os tempos modernos dos anos de chumbo. Essa é a sublime ordem arbitrária que fomenta o progresso reverenciado na bandeira do nosso país.
O infortúnio dos Xavantes que, em forçosa aclamação à história imperialista do Brasil, se transformam na Rua Xavantes do Conjunto Anhanguera, bairro da região sudeste de Goiânia, também é o infortúnio de quem sofre por não se submeter à calada da madrugada escura do dia 8 de novembro de 2011.
O “é proibido fumar”, de Roberto Carlos, já entoava, em 1964, os sons da balbúrdia que seria armada em 2011, desde o dia 27 de outubro, com a prisão de três estudantes da USP, por simplesmente fumarem. Foi só o começo. O cerco todo já se armara com o acordo que o magnífico reitor João Grandino Rodas, outrora, assinara com a PM, a fim de estabelecer rondas ordeiras na Cidade Universitária. O circo pegou fogo, mas o fogo só chamuscou de leve na cobertura da imprensa, que tratou do assunto serena e calmamente, com a paz e a benção do governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin e seu subalterno Rodas.
Gostamos sempre de reavivar memórias. Do contrário as esqueceríamos, como sempre nos esquecemos de recapitular os giros passados dos Rodas da vida. É válido lembrar que, entre 1995 e 2002, com a soberba do poderio, Grandino Rodas integrou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Com o poder nas mãos, ele pôde apurar sobre a morte de militantes políticos do período da Ditadura Militar, dentre eles o filho da estilista Zuzu Angel. Como era de se esperar, ele inocentou os militares responsáveis por “preservar vidas e aplicar a lei”. Digno de quem de grande só tem o despotismo nos tempos do cólera.
Não é de ver que o atual reitor da USP também tentou “privatizar” o espaço público da universidade, que, aliás, deveria ser o universo de todos. Pois bem, quando administrou a Faculdade de Direito, o despotinha tentou implantar catracas no prédio da instituição, mas só para evitar estranhos, nada demais. E tudo isso sem consultar nem o corpo burocrático da Faculdade, tampouco os estudantes, é claro. É... Parece que quem precisa de “ter aula de democracia, de respeito ao dinheiro público e ao patrimônio público” não somos nós, os estudantes, não é mesmo, Alckmin?!
Essa tendência arbitrária é o derradeiro amor de quem tem o poder e de quem pactua com o poder para alcançá-lo. O Estado que dignifica e institui a força em prol da repressão é o mesmo que profere o grito da democracia e fala em nome de um país democrático. Balela.
A guerra que deveria ser contra a demagogia da política do porrete é contra os estudantes e encapuzados que pedem pela liberdade destoada pela ameaçadora e repressiva presença militar no âmbito acadêmico do diálogo e da construção do saber. A polícia, que deveria dar segurança, apresenta suas armas com escudos, cassetetes, capacetes reluzentes e reprime. É assim que Estado e militarismo mantêm-se invictos e amistosos, graças à política do tête-à-tête.

sábado, 6 de agosto de 2011

Máscarações


          A prática é antiga e advém, inicialmente, de uma criação fantástica e religiosa. As máscaras foram criadas e associadas ao misticismo. Por meio dela, o sagrado adentrou no imaginário humano, que se revestia de força e poder espiritual cada vez que um homem fosse mascarado. Como em uma transfusão, as divindades atribuíam todo o seu poder aos mascarados, em algumas civilizações.

Aos poucos, o teatro grego e romano estabeleceu uma função figurativa para as máscaras, que passaram a limitar a linha entre ator e personagem. Chamada em latim de personna, elas transgrediram os palcos e invadiram a estética decorativa. Assumiram muitos outros papéis e, antes de tudo, transcenderam o homem. De tempos remotos são utilizadas instintivamente pelos animais para se camuflarem dos perigos mundanos. Mascarar-se é uma ação tão elementar que a própria natureza incorporou a função de disfarce nos troncos, folhas e pedras.
Do sagrado ao profano, do misticismo à estética, da comédia à tragédia, do real ao lúdico e do instintivo ao racional, as máscaras caminharam para modernidade com os pés da tecnologia e com finalidades múltiplas. Máscaras de oxigênio, máscaras cirúrgicas, estéticas e protetoras. Entretanto, sem abandonar os resquícios da cultura greco-romana, são as personnas  que prevalecem e personificam diversos e distintos disfarces sociais.
Seria confusa e irrisória a vida sem máscaras. Usadas como heterônimos, elas ocultam a essência de quem as usa, misturam o bem e o mal. O seu poder de iludir tornam-nas democráticas. Super-heróis, bandidos e terroristas, todos as usam em prol de um ideal. Fantasiar-se emancipa-nos e torna a nossa realidade inatingível e invisível.
Em ações cotidianas, usar máscaras evita passar pelo constrangimento de estereótipos e contrapõe a realidade simples e absurda. As crianças choram por nítidos desejos, as fotografias carregam sorrisos forçados, escondemos as tristezas e as lágrimas, embelezamo-nos com a didática da vida profissional, vestimos a máscara da democracia e da lucidez e aparentamos ser fortes.
Em sociedade, passamo-nos por cidadãos morais de bons costumes e fingimos ser educados, dotados somente de boas qualidades. Na política, vestimos o terno da burocracia para ganhar tempo, fingimos as boas relações internacionais e a preocupação com a sociedade, mascaramos o desejo de conquista e poder com as guerras contra o tráfico e o terrorismo.
Necessárias, as máscaras desmascaram as nossas fraquezas, impotências e inquietações. Quando caem, tomba-nos em queda mútua. Prepotentemente, fazem-nos reféns do instinto, da racionalidade e, sobretudo, da emotividade. Sem elas, não passamos de reles alvos susceptíveis a ataques e desprovidos de defesa.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Imprensadores


Aclamado como grande sociólogo e jornalista, em 2003, Perseu Abramo põe em mesa uma discussão sobre a submissão da grande imprensa junto aos jogos de poder e interesses políticos, diante da manipulação da realidade veiculada pelos meios de comunicação. Abramo fez-se repercutir utilizando-se de uma grande teorização da maneira como a grande mídia manipula a sociedade. Tais constatações foram expostas no seu ensaio “Padrões de manipulação na grande imprensa”, lançado pela Editora Fundação Perseu Abramo em São Paulo, com um volume de 64 páginas.
Nascido na capital paulista, em 1929, Abramo passou profissionalmente por vários grandes veículos de comunicação. Trabalhou no jornal O Estado de São Paulo,  na Folha Socialista, na Folha de São Paulo, além de ter trabalhado na Rádio Eldorado e na TV Globo. Exerceu a docência na UnB, na UFBa, na Puc-SP e na Fundação Armando Álvares Penteado e, por 16 anos, foi dirigente do PT.
Apresentado por José Arbex Junior, com o prefácio feito por Hamilton Octavio e com o posfácio de Aloysio Biondi, o livro “Padrões de manipulação na grande imprensa” retrata, de forma objetiva e sucinta, as relações de poder que a mídia legitima diante dos interesses de mercado e das medidas políticas adotadas pelo governo. Para manter o caráter hierárquico comandado pelo capital financeiro que rege as grandes corporações, a grande imprensa exerce, com perspicácia, o seu papel como instrumento de dominação social.  
Abramo denuncia que o caráter autoritário de dominação dos meios de comunicação é mantido graças à forma como a mídia trata os fatos e a realidade, de acordo com as necessidades de uma comunicação mercadológica. Nessa perspectiva, a ação de fragmentar, ocultar, priorizar ou subverter os fatos está intrinsecamente ligada à instituição de uma realidade artificial, amparada pelas especificidade dos interesses de grandes empresas privadas.
Para continuar exercendo o poder e para atribuir conhecimentos construídos não por uma prática empírica por parte da sociedade, mas sim pela construção de um saber raso, outorgado e autoritário ditado pela mídia, é necessário que a imprensa manipule informações e recrie a realidade.

sábado, 4 de junho de 2011

Recodificando o retrocesso


Não é de hoje que latifundiários e ruralistas proferem o grito contra as leis de defesa ao meio-ambiente. Já foram executadas várias tentativas a fim de destituir o Código Florestal Brasileiro (Lei nº 4771/65). Embora o tempo provenha algumas mudanças na forma de se discursar politicamente contra as leis ambientais, os argumentos são sempre os mesmos.
Até hoje o falacioso discurso de que algumas medidas legais colocam barreiras no desenvolvimento agropecuário do país não caiu em desuso. A mais recente investida é a do deputado Aldo Rebelo do PCdoB de São Paulo. Em poucas palavras, o  projeto de Rebelo e de sua turminha pressupõe que as propriedades rurais de até quatro módulos fiscais fiquem desobrigadas de recompor a área de reserva legal. Isso significa que somente essa mudança no atual Código Florestal Brasileiro contribuiria para que 90% dos imóveis rurais aumentassem o desmatamento em até 70 milhões de hectares no Brasil.
Na votação do relatório da comissão especial, todas as entidades representantes da pequena propriedade e da agricultura familiar posicionaram-se contra as mudanças. Sabe-se que o agronegócio voltado para a exportação é o maior interessado e seria o setor mais beneficiado com uma possível alteração do Código Florestal. A situação ratifica-se e se compromete ainda mais na  medida em que a maioria dos nossos representantes políticos constitui a grande bancada ruralista no Congresso Nacional.
O fato é que, para os ruralistas, ampliar a competição no mercado internacional é uma justificativa suficientemente forte para mascarar um grande retrocesso político e social. Com as atuais discussões sobre sustentabilidade, que culminará na conferência sobre desenvolvimento sustentável e economia verde, que será realizada no Brasil em 2012, é alarmante recuar décadas nas políticas de sustentação ambiental com as mudanças do Código Florestal.
Os anseios da bancada ruralista ratificam a crise de uma democracia falida. Constitucionalmente, a proposta de Aldo Rebelo transpira dubiedade, ferindo vários pontos da Constituição Federal, como o Artigo 170, que prevê a função social da atividade econômica e a defesa do meio ambiente entre os princípios gerais da atividade econômica.
Como toda a legislação, o Código é passível de aprimoramentos que, teoricamente, deveriam conceder à população o direito de participar de uma discussão que é de interesse de todos e compromete o futuro de próximas gerações. O Estado, enquanto instituição representativa da sociedade, deveria ater-se à sustentabilidade socioambiental e econômica, garantindo a preservação do meio-ambiente e, sobretudo, social.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Sambagode



Palco de múltiplas efervescências culturais, a década de 1980 abriu alas à nova cosmovisão sociocultural que fortaleceu a edificação mercadológica das manifestações culturais no Brasil. Um movimento musical baseado no samba carioca nasceria firmando a acepção de música atrelada à indústria cultural brasileira.
Nascido de reuniões informais no subúrbio do Rio de Janeiro, o pagode passou, cada vez mais, a adentrar no circuito da indústria fonográfica. A ideia de encaminhar o novo gênero ao público consumidor surgiu da percepção empírica de que um gênero musical direcionado às classes economicamente inferiores poderia se transformar em um produto rentável. Até então, o pioneiro samba não possuía um público lucrativo e foi só depois de uma adaptação do pagode, de acordo com o gosto das classes consumidoras, que essa nova vertente do samba passou a agradar com as vendas de LPs.
Com a maior disseminação do samba nas rádios na década de 1990, os blocos carnavalescos das escolas de samba passaram de um cortejo de rua da comunidade a grandes associações institucionalizadas. O paradigma do samba-enredo como espetáculo passou a destoar da vontade popular de diversão informal, incitando a disseminação de rodas de pagodes. Passariam a se efetivar nessas rodas a independência da manifestação cultural diante dos meios de comunicação.
Fundado em 1961 a partir de um núcleo familiar, o bloco Cacique de Ramos manteve o viés da proximidade direta com a comunidade, porém aderindo à nova modalidade sociomusical da época: o pagode. O grupo de músicos lançava mão de refrões apelativos, a fim de que as composições fossem de fácil memorização para toda a comunidade. No fundo de quintal, os pés no chão, a feijoada completa no prato e o papo afinado regiam a orquestra popular da cadência bonita do samba. A roda de samba fazia-se girar com o revezamento dos músicos divididos ora pela conversa de butiquim, ora pela mulata assanhada, ora pela batucada. Enquanto isso, no pagode, o samba de roda girava em torno das umbigadas das morenas de alegria estonteante.
Embora novos blocos sociais de manifestações culturais fossem surgindo sob a vertente do pagode, foi somente a parceria de Beth Carvalho com os músicos do Cacique de Ramos que injetou o pagode no interesse da indústria fonográfica. Mais tarde a formação do grupo Fundo de Quintal seria elementar para a assimilação da indústria cultural à nova roupagem do samba carioca. O grupo, além de incluir a percussão portátil no gênero recém-nascido, inovou na estrutura melódico-harmônica das músicas e no modo das apresentações públicas.

Enquanto os músicos de samba eram projetados no contexto da MPB e da formação de ídolos, os pagodeiros começaram a se projetar na veiculação midiática do pagode. A partir da década de 1990, o lançamento de pagodes mais românticos foi priorizado em razão da preferência do público consumidor. Grupos como Raça Negra incorporaram ao gênero elementos da música pop, utilizando-se de baixo elétrico, de bateria e de sintetizadores. De uma prática popular coletiva e, ocasionalmente, hedonística, o pagode dissuadiu-se a uma forma rentável de mercadoria midiática.