É inerente
ao processo de formação da nação brasileira a condição de mistura e fusões. Da
intensa miscigenação inter-racial dos índios, negros e europeus do período
colonial à atual acepção de música brasileira como um exercício edificador da
pluralidade singular do Brasil, fez-se presente a bricolagem e hibridação de
hábitos, valores, culturas de vários povos.
Pensar num
Brasil de manifestações culturais e artísticas originalmente puras é negar o
processo histórico de construção de uma identidade tipicamente brasileira. É
nesse contexto que cai por terra a caracterização da brasilidade com uma
auto-imagem, genuinamente, fincada somente na raiz, na origem e na tradição.
No âmbito da
representação nacional, a música é um elemento ímpar de caracterização do
Brasil no exterior. De fato, como resultado de processos históricos, expressões
dos anseios de uma época, introspecções frente à modernidade e escolhas
estilísticas, por que não utilizá-la para a construção da identidade cultural
brasileira? Essa inquietude foi o marco de surgimento do movimento tropicalista
no final da década de 1960.
Em um
contexto bastante parecido com as aspirações dos modernistas na Semana de Arte
Moderna de 1922, a Tropicália deflagrou uma nova maneira de se pensar Brasil.
Do movimento antropofágico de 1922, a deglutição de manifestações culturais de
vanguarda europeia, primando pelo não academicismo da arte, incorporou nos
modernistas uma produção nacional, que não necessariamente desapropriasse as
tendências da Europa. No movimento tropicalista, também houve a preocupação com
a auto-imagem que denotava à busca de uma identidade representativa do Brasil. Em meio à
turbulência da ditadura militar, o cenário musical brasileiro estava
representado por três distintos grupos. A música de protesto tornava-se hino
esquerdista contra a ditadura, não admitindo influências da música estrangeira.
A bossa-nova, no auge dos anos 1960, mesclava jazz americano e o samba
brasileiro numa mistura muito rica harmônica e melodicamente, porém
descomprometida socialmente. E, por último, tínhamos a Jovem Guarda com uma
versão nacional do rock da Inglaterra e dos Estados Unidos, de olho no público
jovem.
Eis que
surge a Tropicália com o intuito de adentrar na modernização e reformar o
conceito nacional da brasilidade. Divididos entre aplausos e vaias do público,
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Rita Lee, Arnaldo Baptista, Tom
Zé, Nara Leão, Gal Costa, dentre outros artistas, fizeram do tropicalismo um
movimento da contracultura brasileira.
A construção
simbólica de um Brasil misto, vivo, aglutinador e efervescente levou os
tropicalistas a incendiar o cenário musical do país na época. O intuito era
apropriar do berimbau à guitarra elétrica, do psicodélico ao erudito, do
folclórico ao pop, do rústico ao moderno, do caipira ao urbano. E tudo isso,
regado a críticas sociais, a intertextualidades e metáforas dos letristas. O resgate de uma identidade nacional
pautou-se sob o parâmetro de exposição dos antagonismos e pluralidades
existentes em todas as manifestações culturais do país.
Miscigenação da nossa origem
étnica, fusões que transformam e são a nossa cultura. E assim seguimos feitos de mistura: juntos formando o nosso misturado.