A significação da ordem em oposição ao caos impera no conceito da palavra cosmos – oriunda do grego kosmos. A partir desta perspectiva constrói-se o sentido da realidade do homem andino. A ordem atrela-se, intrinsecamente, à relação do tempo e do espaço com o equilíbrio das dinâmicas naturais. É sob estas dinâmicas naturais e sob a lei da natureza que se determina e se constrói a sabedoria e, sobretudo, a sobrevivência dos ameríndios.
O modelo eurocêntrico da colonialidade instituiu ao pensamento ocidental uma concepção unitária do processo de origem criadora de todo o cosmo universal. Esta noção configurou um olhar individualista, ratificando a perspectiva de que tudo e todos se submetem a uma unidade criadora.
Cholitas no Lago Titicaca, na Bolívia |
A gênese bíblica do cosmo consolidou a mitologia do pecado original como precursora do embate entre criador e a submetida criatura. A unidade criadora, desta forma, é responsável pelo nascimento da concepção punitiva do trabalho, instituído pela sua aptidão em subjugar o homem à opressão e ao castigo.
Vinculado ao pensamento ocidental, o trabalho foi incorporado à dinâmica sistêmica dos processos capitalistas. Nessa perspectiva, a ocidentalização do homem engendrou a atribuição do trabalho como uma ferramenta de acumulação de riquezas por meio da exploração e capitalização dos recursos naturais.
Induzido à condição de exterioridade perante a natureza, o homem ocidentalizado almeja transmutar o castigo do trabalho para a busca pelo prazer egoísta, representado pelo acúmulo de riquezas.
O conceito congregacionista da cosmovisão andina pressupõe a totalização e a não fragmentação do meio cósmico, da natureza e do homem. Há uma reciprocidade entre os elementos naturais, a vida social e as ações humanas sempre direcionadas ao cosmo.
A realidade andina baseia-se na noção cíclica do equilíbrio da dimensão humana, da dimensão cósmica e da dimensão natural. Não há a submissão do homem enquanto criatura de uma unidade criadora, característica que integra veementemente o homem como elemento necessário à construção e manutenção de um espírito único e coletivo.
A noção de pacha elucida a alteridade e o respeito que o homem estabelece com a natureza, uma vez que, nesta cosmovisão, para garantir a sobrevivência humana, é necessário garantir a manutenção da infinidade e interação cíclica do tempo, do homem e do espaço. É nesta alteridade que, na sociedade dos Andes, habita a inexistência do individualismo. A lógica dos ameríndios formaliza o coletivismo ou comunitarismo como ordem fomentadora da vitalidade do mundo e da vitalidade humana.
A partir de uma concepção comunitarista e da construção social do equilíbrio das dinâmicas naturais, o homem andino edifica, coletivamente, o trabalho como uma forma de transcendência, dado ao papel complementativo que o trabalho atribui à existência da Mãe Terra.
O amor incondicional dos andinos à Pachamama, a Mãe Terra, revigora o espírito da reciprocidade dos ameríndios. Nesta perspectiva, o trabalho é considerado um aparato de altíssima virtude que se dispõe de um meio para contemplar a bondade e generosidade de Pachamama. Toda a constituição da sabedoria e concretização da cultura dos povos é resultado do prazeroso trabalho, que concede à figura magnificente da Mãe Terra os votos de agradecimento e engrandecimento dos andinos.