A nova roupagem da tradição
A denominação caipira é utilizada, genericamente, para designar os habitantes das regiões situadas, principalmente, no interior do Sudeste e do Centro-Oeste do Brasil. A música caipira é um dos traços marcantes da cultura interiorana. Ao longo das décadas, a adição de novos instrumentos, a utilização de novos rítmos e linhas melódicas e a disseminação da indústria cultural contribuíram para o surgimento da atual música sertaneja. Aos 29 anos, o cantor, compositor e violeiro Almir Pessoa tenta resgatar a cultura caipira por meio da música sertaneja de raiz.
O que vem à sua cabeça quando se fala em música sertaneja de raiz?
Almir Pessoa: Tião Carreiro. Quando se fala em música caipira, pra mim, na cabeça, vem o Tião, porque ele pegou uma viola que era utilizada em festas de tradição e criou essa batida, o pagode. Não estipulou, mas usou muito essa afinação em “cebolão”, em mi maior. Deu um “boom” de música caipira e música sertaneja e rodou o Brasil inteiro.
Qual foi o seu primeiro contato com a música caipira?
Almir Pessoa: O meu contato com a viola se deu em Folia de Reis. Eu comecei, não sei por que “cargas d’água”, a observar os violeiros tocando ali, dançando catira e eu vi um violeiro em particular, um violeiro chamado Jair. E aquela “suingueira” da mão direita, no caso, me chamou a atenção, aliado àquela onda, àquele negócio diferente. Eu já tocava um pouquinho de violão e aquilo me chamou muito a atenção. E naquele dia eu falei “Rapaz, eu acho que eu quero tocar viola”. Um ano depois, eu fui presenteado com uma viola e então comecei a minha trajetória.
Qual é público mais adepto ao gênero caipira?
Almir Pessoa: Dentro do meu estilo, mercadologicamente, creio que meu público alvo é de pessoas de 26 anos pra cima. Eu tenho notado que as crianças têm tido uma afinidade muito grande com a música caipira. Eu digo isso pelo ressurgimento do gênero na mídia por meio de personalidades de programas de televisão, como Inezita Barroso e Rolando Boldrin.
Por que o termo música sertaneja foi usado em substituição ao termo música caipira?
Almir Pessoa: Esse nome música sertaneja foi um termo dado por gravadoras para a música caipira, mais ou menos no ano de 1944, quando surgiu o primeiro selo com a dupla Pedro Benta e Zé da Estrada. Essas músicas vendiam muito desde 1929, quando Cornélio Pires começou com as trupes de música sertaneja, circo e todas aquelas coisas. Isso criou uma efervescência cultural muito grande, porque, com o êxodo rural, as pessoas saíam do campo para ir pras mediações da cidade de São Paulo. Nesse período, Monteiro Lobato teve a infelicidade de criar o personagem Jeca Tatu. As pessoas não queriam ser chamadas de caipira e comparadas ao personagem matuto de Lobato. Elas queriam ser tratadas como urbanas. Percebendo isso, as gravadoras denominaram a música caipira como música sertaneja. Até então era a mesma coisa. Mas começaram os hibridismos musicais. Com artistas, por exemplo, como Léo Canhoto e Robertinho, a música sertaneja hibridou com a música americana e trouxe elementos de faroeste, bang-bang. Ela hibridou e foi se transformando no que é hoje: música sertaneja, sertanejo universitário, sertanejo disso, sertanejo daquilo.
Almir Pessoa: Bem, em Londres, em 2007, eu estava tocando em um lugar chamado Barracuda. Devia ter umas 700 pessoas mais ou menos. Pra público europeu, é muita gente, porque os locais de lá são bem pequenos. Nesse dia, um inglês me falou algo que me chamou bastante atenção. Ele me chamou no particular, depois do show, e me disse o seguinte: “Olha, do Brasil eu conhecia samba, carnaval e mulher pelada. Você trouxe uma mensagem diferente de algo que tem tanto valor quanto o samba e quanto o carnaval”. Acho que esse fato sintetiza bastante, na verdade, a aceitação da música caipira lá fora.
Você sofre preconceito por tocar música caipira?
Almir Pessoa: Por causa da música caipira, eu não sofro preconceito. Por exemplo, a gente está aqui em uma instituição de ensino superior. Aqui, se você entrar dizendo que toca música sertanejo-universitária talvez você venha a sofrer algum tipo de preconceito. Até por esse termo, o sertanejo universitário, nós, que somos universitários, esperamos uma música mais provocativa. Já com a música caipira, acontece diferente. Ela tem uma aceitação maior porque está muito ligada à tradição e à música de raiz.