Responsável pela adesão do racionalismo à política e à análise social, o Iluminismo, historicamente, finda as premissas de um mundo teocêntrico. A partir dele, o caminho para a construção da sociedade moderna, nítida e obscura, faz-se aberto. E é nesse momento que a normatização do âmbito social submete-se à razão. Chamado de “Século das Luzes”, esse período perpassa pelo veredicto de que a universalidade do racionalismo é dada como a única forma para alcançar o conhecimento.
O “Penso, logo existo” de René Descartes introduz a noção de indivíduo como agente de transformação social na condição, única e exclusiva, de sujeito pensante. Nesse estágio de uma nova abordagem sociocultural do homem, a aptidão humana de decodificação e reprodução da cultura de uma determinada sociedade é um fator decisivo para a adesão à cosmovisão da cognição.
Nessa perspectiva, consiste-se inapto e, por conseguinte, incapaz o indivíduo que não se adequa às regras de convívio social, seja pela sua incompatibilidade cultural, seja pela sua incompatibilidade de gênios, ou pela sua divergente condição psicológica. Opor-se aos atos e pensamentos padronizados de dada sociedade precipita, na concepção moderna, a idéia de anormalidade, muita das vezes atrelada a algum tipo de patologia psíquica.
Mais do que pelo racionalismo, a nossa humanidade é garantida por meio dos precedentes presságios da loucura. É a aptidão sensitiva aguçada, um dos primeiros sintomas da insanidade, que instiga a avidez do homem para se encontrar reciprocamente com a arte. Como expressão da introspecção humana, o desenvolver-se artisticamente inaugura o homem como produto do espaço e do tempo vivido.
Muito tênue é a linha que limita a loucura e a genialidade. Imaginação, criatividade, memórias, devaneios, desejos, pensamentos, desordens. O subconsciente humano abriga a sensibilidade, fome da arte, que, em um desequilíbrio harmonioso, pode-se confundir com a patologia psíquica da loucura. Van Gogh, representante da vanguarda expressionista do século XX, ao mutilar suas próprias orelhas para se autorretratar, é um exemplo da explícita tenuidade entre o genial e o insano.
Uma vez diagnosticado o estado de deficiência cognitiva, tem-se também o diagnóstico social da estigmatização e da discriminação. Como visto nas psicanálises de Freud, mais do que como uma questão de salubridade psíquica, a loucura deve ser tratada como uma patologia social, que, quando ancorada pelo segregacionismo do pensar metodológico, se desprovê de tratamento.
É nesta patologia social que Shakespeare, em sua obra “Hamlet”, inspira-se para evidenciar a loucura como uma maneira de transgressão das regras e verdades sociais. Passando-se por louco, o personagem Hamlet abdica-se da razão e eleva a loucura ao patamar de signo dominante no convívio social.
Da lucidez tem-se o prognóstico do racional e da insanidade, o prognóstico do que não se percebe nas entrelinhas.