segunda-feira, 28 de março de 2011

Sambagode



Palco de múltiplas efervescências culturais, a década de 1980 abriu alas à nova cosmovisão sociocultural que fortaleceu a edificação mercadológica das manifestações culturais no Brasil. Um movimento musical baseado no samba carioca nasceria firmando a acepção de música atrelada à indústria cultural brasileira.
Nascido de reuniões informais no subúrbio do Rio de Janeiro, o pagode passou, cada vez mais, a adentrar no circuito da indústria fonográfica. A ideia de encaminhar o novo gênero ao público consumidor surgiu da percepção empírica de que um gênero musical direcionado às classes economicamente inferiores poderia se transformar em um produto rentável. Até então, o pioneiro samba não possuía um público lucrativo e foi só depois de uma adaptação do pagode, de acordo com o gosto das classes consumidoras, que essa nova vertente do samba passou a agradar com as vendas de LPs.
Com a maior disseminação do samba nas rádios na década de 1990, os blocos carnavalescos das escolas de samba passaram de um cortejo de rua da comunidade a grandes associações institucionalizadas. O paradigma do samba-enredo como espetáculo passou a destoar da vontade popular de diversão informal, incitando a disseminação de rodas de pagodes. Passariam a se efetivar nessas rodas a independência da manifestação cultural diante dos meios de comunicação.
Fundado em 1961 a partir de um núcleo familiar, o bloco Cacique de Ramos manteve o viés da proximidade direta com a comunidade, porém aderindo à nova modalidade sociomusical da época: o pagode. O grupo de músicos lançava mão de refrões apelativos, a fim de que as composições fossem de fácil memorização para toda a comunidade. No fundo de quintal, os pés no chão, a feijoada completa no prato e o papo afinado regiam a orquestra popular da cadência bonita do samba. A roda de samba fazia-se girar com o revezamento dos músicos divididos ora pela conversa de butiquim, ora pela mulata assanhada, ora pela batucada. Enquanto isso, no pagode, o samba de roda girava em torno das umbigadas das morenas de alegria estonteante.
Embora novos blocos sociais de manifestações culturais fossem surgindo sob a vertente do pagode, foi somente a parceria de Beth Carvalho com os músicos do Cacique de Ramos que injetou o pagode no interesse da indústria fonográfica. Mais tarde a formação do grupo Fundo de Quintal seria elementar para a assimilação da indústria cultural à nova roupagem do samba carioca. O grupo, além de incluir a percussão portátil no gênero recém-nascido, inovou na estrutura melódico-harmônica das músicas e no modo das apresentações públicas.

Enquanto os músicos de samba eram projetados no contexto da MPB e da formação de ídolos, os pagodeiros começaram a se projetar na veiculação midiática do pagode. A partir da década de 1990, o lançamento de pagodes mais românticos foi priorizado em razão da preferência do público consumidor. Grupos como Raça Negra incorporaram ao gênero elementos da música pop, utilizando-se de baixo elétrico, de bateria e de sintetizadores. De uma prática popular coletiva e, ocasionalmente, hedonística, o pagode dissuadiu-se a uma forma rentável de mercadoria midiática.

Um comentário:

  1. "De uma prática popular coletiva e, ocasionalmente, hedonística, o pagode dissuadiu-se a uma forma rentável de mercadoria midiática." ...e chegou em Goiânia!

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